sexta-feira, 2 de março de 2012

Celito de Grandi e o Boletim de Ocorrência


Desde o início de janeiro, as edições dominicais do jornal Zero Hora nos presenteia com uma coluna especial sobre crimes marcantes do Rio Grande do Sul (ou que envolvem gaúchos). "Boletim de Ocorrência" está sob responsabilidade do jornalista e escritor Celito de Grandi e é uma reconstituição de casos célebres que passaram pela carreira do jornalista.

Para quem não conhece, Celito tem mais de 50 anos de experiência e já trabalhou nos principais veículos de comunicação do Rio Grande do Sul. Ao longo do tempo, entrevistou figuras antológicas como Leonel Brizola, Mário Quintana e Érico Veríssimo. Ele também é reconhecido como um dos mais importantes memorialistas do estado, pela profundidade e intensidade de suas pesquisas, principalmente no que se refere ao cenário político.

Euclides Kliemann
De Grandi também é autor de "Caso Kliemann - A história de uma tragédia", livro que traz a história de um dos mais misteriosos assassinatos do estado. Deputado eleito por Santa Cruz do Sul, Euclides Kliemann morava em Porto Alegre com sua esposa, Margit. Certa noite, ao visitar amigos que moravam próximos à sua residência, preocupou-se com a demora de sua esposa em aparecer, já que ela prometera chegar logo.

Kliemann foi para casa procurar sua esposa. Ao entrar em sua mansão, encontrou o corpo da mulher jogado ao pé da escada. A cabeça estava em pedaços. Durante a investigação, constatou-se que Margit foi atacada no segundo andar, tentou fugir, mas foi perseguida. Golpeada, caiu da escada e morreu a poucos metros da entrada da mansão. Kliemann foi considerado suspeito.

Pouco mais de um ano após o trágico assassinato, o deputado concedia entrevista a uma rádio santa-cruzense quando o estúdio foi invadido por um vereador local, inimigo político de Kliemann. O vereador acusava o deputado pelo assassinato de Margit. Com um tiro à queima-roupa, matou o deputado dentro do estúdio da rádio. E o assassinato da esposa, ainda hoje, não teve solução.

Essa foi a história mais notável do gênero dentre as que Celito cobriu. Mas, ao longo de 50 anos, outros tantos crimes (tão bizarros e assustadores quanto as do caso Kliemann) acabaram esquecidos ou sem solução. E são esses crimes que Boletim de Ocorrência retrata, semanalmente. É uma oportunidade para conhecermos um pouco mais sobre casos que fazem parte da história do Rio Grande do Sul. Mas também, é a chance de não deixar cair no esquecimento algumas tragédias que não devem ser esquecidas.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Jornalismo em quadrinhos: um formato alternativo de comunicação

Existe jornalismo para além das palavras ditas e escritas, para além dos mecanismos convencionais e do formato padrão ao qual estamos habituados. E um exemplo claro disso pode ser encontrado no Catraca Livre.

Para quem não conhece, o Catraca Livre é um projeto jornalístico com foco cultural desenvolvido por estudantes universitários de São Paulo com colaboração do jornalista Gilberto Dimenstein, um dos mais premiados jornalistas brasileiros. Para além do jornalismo tradicional - e foi isso que me chamou a atenção -, o projeto busca formas diferentes de comunicação. E a que destaco neste post é a reportagem em quadrinhos.

Acredito que o jornalismo em quadrinhos é uma das formas mais puras e divertidas de tratar uma informação. É algo que tem o poder de surpreender, de prender o leitor, de informar e esclarecer com um risco menor de ambiguidades do que em qualquer outro formato. Mas, infelizmente, também é um formato pouco valorizado e (pasmem!) com pouca credibilidade por parte do "leitor comum". Isso porque, aqui no Brasil, ainda se cultiva a ideia (errônea) de que desenhos, cartoons, quadrinhos e afins são formas menores de se transmitir uma mensagem.


Ainda assim, é possível encontrar no Brasil algumas experiências de reportagem em quadrinhos muito interessantes. E uma das que destaco é esta reportagem especial para homenagear o centenário de Nelson Cavaquinho. As doze páginas, com texto de André Carvalho e arte de Alexandre de Maio, trazem falas de Nelson ditas em várias entrevistas ao longo de sua vida. Além da obra visual, ainda é possível ouvir a voz do compositor e uma de suas canções.

Mas antes de entrar no mérito de outros trabalhos do gênero na país, é interessante lembrarmos que jornalismo em quadrinhos não é nenhuma novidade. Desde o século XVIII, quando o cartunista italiano Angelo Agostini chegou ao Brasil, que os jornais nacionais contam com tiras e ilustrações em suas páginas. Foi nas páginas dos jornais que as histórias em quadrinhos se desenvolveram até migrarem para produções independentes.

Maus - Pulitzer de 1992


Dentre os principais expoentes deste tipo de obra, podemos destacar Art Spiegelman. O Sueco de 64 anos é o único autor de quadrinhos que ganhou um prêmio Pulitzer - principal premiação do jornalismo norte-americano. Na década de 90, atuou produzindo charges, ilustrações e as capas da revista The New Yorker.

Outro repórter de quadrinhos renomado é Joe Sacco. Natural da República de Malta, mudou-se ainda jovem para os Estados Unidos, onde formou-se em jornalismo. Resolveu unir à paixão seu talento para o desenho. Nesse sentido, realizou importantes coberturas apurando as informações com o rigor jornalístico, mas trabalhando a reportagem com seu talento para os quadrinhos.  Dentre seus principais trabalhos está "Notas sobre Gaza", reportagem sobre os conflitos entre palestinos e israelenses na Faixa de Gaza.

No Brasil, em 2007, três jornalistas baianos fizeram uma experiência diferente em seu TCC. Resolveram fazer uma grande reportagem em quadrinhos sobre o movimento estudantil baiano. Para isso, contaram ainda com a ajuda de dois ilustradores e um designer, responsável pela diagramação dos quadrinhos. Em 30 páginas, a reportagem "Vanguarda: Histórias do Movimento Estudantil da Bahia" conta fatos importantes que ocorreram de 1942 a 2003.

Infelizmente, experiências jornalísticas como Vanguarda e os quadrinhos do Catraca Livre ainda são exceções. Vemos tiras, charges, cartoons, caricaturas, mas temos pouquíssimos jornalistas dedicados a trabalhar reportagem propriamente dita em uma mídia alternativa. Talvez exista ainda um certo receio por parte dos veículos em apostar em ago tão ousado. Ou talvez, não se tenha profissionais disponíveis no mercado. Neste caso, que se criem cursos e especializações. E que experiências como estas não se resumam a trabalhos acadêmicos. A minha esperança é que as mentalidades mudem, que não se veja o jornalismo em quadrinhos como algo trabalhoso e pouco rentável, mas sim como uma solução atrativa para conquistar os leitores mais jovens e surpreender os mais velhos.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Sobre os exageros do caso Eloá

Hoje, 16 de fevereiro, foi o último dia de julgamento de Lindenberg Alves Fernandes (25), algoz do caso Eloá. Você provavelmente acompanhou a repercussão do julgamento na TV, nos jornais ou na internet, querendo ou não. O caso, que ganhou os holofotes em 2008 (quando Lindenberg invadiu a casa da ex-namorada, a manteve refém por quase 100 horas e a matou quando a polícia invadiu o local), finalmente teve seu desfecho.

Lindenberg Alves Fernandes
Junto com o julgamento, ressurgiram críticas feitas na época à policia (e sua demora em agir) e à mídia (a forma como o caso foi tratado durante as 100 horas de cárcere). Posteriormente o caso foi narrado no livro "A tragédia de Eloá: uma sucessão de erros", do jornalista Márcio Campos. Na obra, o jornalista mineiro conta os primórdios dessa história - o namoro entre uma menina de 12 anos com um rapaz de 19; o ciúme doentio do namorado; as constantes brigas e términos; as ameaças e a violência.

Durante o julgamento, Ana Lúcia Assad, advogada de Lindenberg, usou como estratégia de defesa o argumento de que a imprensa e a polícia tiveram papel decisivo no desfecho do caso. A polícia pela demora em agir, por tratar o ex-namorado de Eloá como um Romeu arrependido, e não como um rapaz violento capaz de matar, e também por ter permitido que Nayara, amiga da vítima que estava na casa no momento do sequestro e foi solta durante as negociações, voltasse para o cárcere.

Já a mídia, segundo a advogada, contribuiu para que o caso terminasse em tragédia pela forma como repercutiu o fato, entrevistando o rapaz durante o sequestro, dando a visibilidade que ele desejava em mídia nacional. A forma como os veículos de comunicação agiram, não apenas reportando os fatos, mas também agindo de forma a participar destes, pode ter sido decisiva para que o sequestro se transformasse em homicídio. Ao menos, foi isso que sustentou a advogada.

Mas mesmo com toda a argumentação, Lindenberg foi condenado. A pena é de 98 anos e 10 meses. Considerando o fato de ele ser réu primário, acredito que ficará preso em regime fechado por pouco mais de 39 anos (2/5 da pena). Isto é, se tiver bom comportamento. Sua advogada foi considerada por muitos como a grande vilã do julgamento, e foi hostilizada durante os 4 dias de tribunal. Mas não creio que ela possa ser culpada.

Ana Lúcia Assad ao lado de Lindenberg
Pela Constituição, todo mundo tem direito a defesa - mesmo sequestradores, assassinos e pedófilos (embora eu acredite que, se a pena de morte deve ser aplicada em alguém, esse alguém é o pedófilo). O fato é que a advogada estava cumprindo seu papel, tentando defender o rapaz e minimizar sua culpa. Talvez por acreditar que todo homem merece um julgamento digno, com uma defesa justa. Talvez por crer que essa era a oportunidade perfeita para mostrar, em rede nacional, a eficácia do seu trabalho enquanto advogada. Ou talvez - e eu acredito que esse seja o real motivo - porque ela realmente acreditava que o desfecho trágico do sequestro foi fortemente influenciado pela ação tardia da polícia e pelos exageros da imprensa.

Quem acompanhou o caso em 2008 deve lembrar que, por diversas vezes, Lindenberg esteve na mira da polícia, mas ninguém tinha autorização para atirar. Não sou nenhum especialista em segurança, mas posso especular. A sensação que ficava ao ligar a televisão era de que algo daria errado. A polícia negociava, a imprensa criticava a demora da polícia em agir, o público acompanhava o caso torcendo por um final feliz.

Sabe-se que alguns jornalistas fizeram contato com o rapaz enquanto ele mantinha a ex-namorada em cativeiro. Mas, como saber se esses contatos influenciaram, direta ou indiretamente, a mentalidade perturbada de Lindenberg? Questiono-me qual será o limite para o envolvimento dos jornalistas em um caso como este. Até onde se deve ir em uma pauta? Até onde se PODE ir sem influenciar nos fatos?

Eu, particularmente, não acredito que o caso teria outro desfecho se a postura da imprensa fosse diferente. Mas os anos de estudo me ensinaram que as respostas para essas questões não está na subjetividade. Não é o tipo de coisa que se aprende numa faculdade. É claro que somos preparados para diversas situações durante a academia. Mas ensinamentos desse tipo se ganha, sobretudo, com a vivência nas redações.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A Revista Época e a função social do jornalismo

Mais do que uma profissão que visa o lucro, devemos entender o jornalismo como uma categoria que possui um papel definido na sociedade. É claro que o conteúdo é um produto, comercializado, tratado e vendido. Mas isso não significa que deva ser baseado em mentiras, especulações e achismos. Pelo contrário. A boa reputação (e aceitação) de um veículo depende da qualidade (e veracidade) do conteúdo que se publica.

Nesse contexto, podemos pensar no papel do jornalismo na sociedade através de situações cotidianas, como as reclamações de ruas esburacadas, de falta de água, de constantes quedas de luz. Mas também podemos visualizar esta função social em situações mais graves, cujo desenvolvimento pode afetar um país inteiro.

Um exemplo típico e incontestável é o caso Watergate. O escândalo político que abalou os Estados Unidos na década de 70 é o mais claro exemplo do poder que o jornalismo possui de denunciar à sociedade aquilo que está errado. Não é à toa que criou-se o hábito de chamar o jornalismo de o 4º poder - o responsável por fiscalizar os três poderes já constitucionalmente estabelecidos.

E é com esse ideia de denúncia e fiscalização que vejo a reportagem "O homem que processou o Brasil", publicada na revista Época. O texto, escrito por Mariana Sanches, poderia muito bem ser um roteiro de cinema. Mas é vida real. A história de Wolf Gruenberg é tão absurda que seria difícil de acreditar mesmo que fosse ficção.

Segundo Gruenberg, em 1977 sua empresa recebeu um calote de uma empresa de capital misto. O Banco do Brasil seria o responsável pela empresa em questão e o encarregado de pagar a Wolf o valor de pouco mais de US$ 1 milhão, conforme estipulado em justiça. O empresário afirma ter recebido apenas 10% deste valor.

Outro processo se arrastou na justiça por mais de 15 anos, até que a empresa devedora foi absorvida pela União. Nesta época, com juros e indenização pelos prejuízos causados, a dívida estava entre 40 e 50 milhões de dólares.

Em 1999, 22 anos após a início da briga jurídica, a União acusa Wolf de cobrança indevida por uma dívida, segundo ela, já quitada. Mas em 2004, 27 anos após a entrada na justiça, o juiz responsável pelo caso julgou que a União devia mais de 1 bilhão de reais a Gruenberg.

A União apelou da decisão, alegando que o valor da dívida não passava de R$ 48 milhões. No mesmo período o Ministério Público e a Polícia Federal começaram uma investigação com suspeita de que Wolf estivesse tentando ludibriar a justiça brasileira.

Na manhã do dia 11 de julho de 2008, policiais armados invadiram a casa de Wolf, em Porto Alegre, e levaram ele e a esposa sob custódia. Fora acusado de chefiar uma quadrilha que arquitetou um esquema bilionário de fraudes contra a União. Na época, Gruenberg estava em tratamento contra um câncer, e afirma que passou 150 dias (preso) sem poder conclui-lo.

Mas algo pior ainda ocorreu com sua esposa. Poucos dias antes ela havia passado por uma delicada cirurgia para redução das mamas. Com a prisão, foi colocada em uma cela sem cuidados médicos. Contraiu uma infecção neste período que deixou seus seios purulentos. Foi levada ao hospital Moinhos de Vento e ficou na UTI, com os pés algemados.

Gruenberg agora tenta provar sua inocência, briga receber o que a União lhe deve e para ser indenizado pela forma desumana como diz ter sido tratado na prisão. Mas agora ele que ir além. Mais do que dinheiro, ele busca justiça. Quer levar seu caso às Nações Unidas e fazer com que seja exemplo dos abusos cometidos pelo Estado.

O capítulo final dessa história ainda está sendo escrito. Mas confesso que fiquei atônito ao ler algo tão irreal e surpreendente. Mais do que uma boa história, o exemplo que a Época nos traz é de que é dever do jornalista denunciar esse tipo de situação. É função do jornalista alertar a sociedade para práticas como esta.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

A infografia multimídia e os recursos da rede

Não posso negar que sou fã incondicional da equipe de infografia do Estadão. Convenhamos, eles sabem como tornar uma informação mais simples e atraente usando o infográfico e a interatividade como recursos. A paixão começou quando fui apresentado a este infográfico, eleito o melhor infográfico do mundo em 2010.


Há ainda outros excelentes infográficos que posso destacar. Um dos meus preferidos é este, que faz uma linha do tempo com as características de todos os presidentes brasileiros, desde Marechal Deodoro até Dilma Rousseff. Um infográfico essencial para quem quer estudar um pouco mais sobre a história do Brasil.

Ao longo do ano passado, procurei em alguns outros portais, mas em nenhum consegui ver um trabalho tão consistente e complexo quanto o que é desenvolvido pela equipe do Estadão. Entretanto, nos últimos meses, com a correria do fim do semestre na faculdade e a preguiça adjacente às férias, parei de acompanhar o trabalho tão de perto. Confesso que fiquei surpreso, esta semana, ao ver dois infográficos sobre o carnaval do Rio de Janeiro.

O primeiro deles é do portal Ig, uma iniciativa muito bacana que oferece ao internauta a oportunidade de comandar a bateria de uma escola de samba (da escola Grande Rio). Neste caso, a informação não foi o foco, mas sim o entretenimento e a interatividade. É claro que é possível também acompanhar os bastidores da produção do infográfico e ver a entrevista com o mestre de bateria, mas, claramente, o objetivo do infográfico é o entretenimento.

o segundo foi produzido pelo Estadão. Apresenta uma nuvem com os nomes de todas as escolas da categoria principal. Ao clicar, abre-se uma janela com a letra do samba-enredo da escola, um áudio de aproximadamente 30", além de uma foto da Rainha de Bateria e algumas poucas informações sobre a escola.

Confesso que fiquei um pouco decepcionado. Não por considerar o trabalho ruim, mas por acreditar que, tratando-se de uma celebração especial, acredito que caberia um infográfico melhor produzido.Além disso, o infográfico do Estadão não tem o objetivo de entreter, mas também não possui a capacidade e o conteúdo necessário para informar. Por fim, não é um trabalho com o mesmo nível dos demais que já vi nas mãos da equipe.


Mas, deixando de lado minha opinião sobre o nível de desenvolvimento de ambos, me incomoda saber que infográficos como estes são exceções. Por mais que eu acredite que ambos os trabalhos poderiam trazer mais informações, o que realmente me intriga e preocupa, considerando que já estamos em 2012 e que a nova geração de jornalistas tem um leque incrível de opções de softwares (sejam eles pagos ou gratuitos), é a escassez de infográficos interativos.

Penso na infinidade de recursos desperdiçados ao ver um infográfico estático na internet. A verdade é que boa parte dos comunicadores ainda não se adaptou às novas possibilidades. Mas, se alguém pretende conquistar essa nova geração de leitores - uma geração que nasceu e cresceu multimídia e que vive mais tempo conectada do que no mundo off -, a postura precisa mudar.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

De garganta limpa, um passado sujo

O livro Corações Sujos não está entre os mais populares de Fernando Morais. Entretanto, a história é digna de prêmio. Tanto é que a obra, lançada em 2000, foi vencedora do prêmio Jabuti de 2001. Em 2010, a história foi adaptada para o cinema. E em 2011, em uma aula de jornalismo de revista, recebi a indicação da leitura. Corações Sujos é um daqueles livros que te suga, te destrói e reconstrói ao longo das páginas. É um história que exige investigação, dedicação e força de vontade para se contar. Afinal, não é qualquer repórter que se dedica a cinco anos de pesquisas, entrevistas e estudo de documentos.

Mas, convenhamos, Morais não pode ser chamado de "qualquer um". Aos 65 anos, ele carrega consigo o peso de ser um dos jornalistas mais importantes do país. Mineiro, recebeu três vezes o Prêmio Esso e quatro vezes o Prêmio Abril de Jornalismo – as duas premiações mais importantes do país. Trabalhou nas redações da revista Veja, do Jornal Folha de S. Paulo e da TV Cultura. Mas foi por meio de seus livros que passou a ser reconhecido no mundo inteiro – suas principais obras foram publicadas em 18 países.

Morais é autor de algumas das biografias mais relevantes do Brasil. Em Olga, remonta a história de Luis Carlos Prestes e sua marcha pelo país, a luta contra a ditadura e o sofrimento da personagem que dá nome ao livro nos campos de concentração nazistas. Já em Chatô, o rei do Brasil, Fernando Morais viaja no tempo para contar a trajetória de Assis Chateaubriand, o magnata brasileiro que construiu um dos maiores impérios comunicacionais do mundo. Em comum, suas obras têm a característica de reconstruir o passado para explicar o presente.

Em Corações Sujos não é diferente. A obra conta a história da comunidade japonesa – mais de 200 mil imigrantes daquele país – no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial e após a derrota dos “súditos do Eixo”. Com detalhes que esclarecem desde o motivo da vinda dos imigrantes até a dificuldade de muitos descendentes de aceitarem a derrota do Japão na guerra, Morais nos apresenta a Shindo Renmei – uma organização secreta japonesa encabeçada pelo Coronel Kikawa com o objetivo de limpar a colônia dos traidores.

Assim, após a Segunda Guerra, a comunidade japonesa (concentrada principalmente em São Paulo) divide-se em duas vertentes: os “vitoristas”, que não acreditam na derrota do Japão e que, posteriormente, começam a forjar notícias de que o Japão invadiu os Estados Unidos, derrubou seu presidente, destruiu sua frota e dizimou seu exército; e os “derrotistas”, japoneses com nível cultural mais elevado e que acreditaram na derrota de sua pátria sem contestação. Eles passaram a ser chamados de “Corações Sujos”.

Considerados traidores, os “derrotistas” são constantemente ameaçados pelos seguidores da Shindo Renmei. A Liga do Caminho dos Súditos (tradução de Shindo Renmei) contava, de acordo com seu idealizador, Coronel Junji Kikawa, com mais de 120 mil associados. Os membros, em geral colonos, verdureiros, tintureiros, sapateiros e vendedores ambulantes, pagavam mensalidades que variavam de dois a 10 cruzeiros. Ao fim das investigações, a polícia concluiu que a seita movimentava uma média de 700 mil cruzeiros por mês – cerca de 500 mil dólares hoje.

Esse dinheiro era utilizado para a manutenção de boletins, panfletos e outras publicações que deveriam espalhar a ideia de que o Japão tinha vencido a guerra. Cada agente da Shindo Renmei ainda levava no bolso um panfleto que explicava como criar uma sucursal da seita, como fazer a comunicação de forma segura e o que deveria ser feito para sabotar o inimigo. Mas era o capítulo final que enchia de orgulho a alma dos patriotas: a promessa de que todos os imigrantes seriam repatriados e poderiam voltar à “Grande Ásia Oriental” - uma superpotência econômica em que o Japão se transformaria após vencer a guerra. Por meses os fanáticos esperaram pelo navio que viria buscá-los. É lógico, em vão.

A obra de Morais nos faz refletir não apenas sobre o descaso com que os japoneses foram tratados no Brasil durante a guerra – principalmente com as duras restrições impostas pelo governo Vargas e potencializadas após a entrada do Brasil na guerra -, mas também sobre a força do espírito nipônico frente às informações de que o Japão perdera a batalha.

Se os colonos foram proibidos do acesso ao rádio, aos jornais e às plataformas de comunicação em língua japonesa, não terá sido isso um dos grandes motes para que a informação fosse deturpada e uma comunidade inteira conduzida a acreditar em uma mentira? Será que, se os japoneses tivessem o direito ao acesso da informação tal qual teriam caso estivessem em sua terra natal, as ações da Shindo Renmei poderiam nunca terem ocorrido? São perguntas sem resposta. Mas, é importante lembrar, como foi dito a certa altura da obra: somente um japonês poderia ser capaz de dizer a outros japoneses que aquilo em que eles acreditam não passava de uma mentira.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Uma revista masculina diferente

Uma das melhores coisas que tenho lido ultimamente é a Revista Alfa. A publicação mensal do Grupo Abril nasceu no fim de 2010, possui um público bastante específico e uma equipe que concentra-se na produção de uma revista impressa e de uma versão da mesma para iPad - levando em conta os recursos disponíveis no tablet.

Com o slogan "Inteligência, boa vida, elegância e atitude", Alfa dá dicas do público ao qual direciona-se - em geral, homens com certa estabilidade financeira e profissional, com um padrão cultural elevado e bem resolvidos em todos os aspectos possíveis.

Suas capas lembram, até certo ponto, as da mítica Revista Realidade. São fotos de grandes personalidades que resumem o tema central de cada edição.Foi assim com Galvão Bueno (em uma alusão à piada que tomou conta do mundo), Steve Jobs (as vésperas da chegada do iPhone 4) e com Ronaldo (sobre a aposentadoria e os futuro com a empresa de marketing).

Em geral, as pautas são bem elaboradas e diferenciadas. Um exemplo é uma das chamadas de capa da 1ª edição, em setembro de 2010: "Por que Marcelo Tas é o nosso candidato a presidente". Em outra capa, desta vez na edição de novembro de 2010, Alfa traz a seguinte chamada: "Exclusivo: 'Peço desculpas' - Bernardinho e o jogo em que o Brasil entrou para perder". Por tudo isso, foi eleita a melhor revista masculina do Brasil em 2011, mesmo sem utilizar fotos de mulheres nuas.

Mas a revista também tem alguns pontos negativos. O primeiro, ao meu ver, refere-se ao conteúdo e a linguagem do impresso e do digital. Não posso afirmar que todo, mas ao menos boa parte do conteúdo é o mesmo nas duas plataformas, apenas agregados com recursos multimidiáticos. É claro que isso é o mais lógico a se fazer. Mas ainda considero que seria interessante buscar um diferencial para o produto no iPad para além da plataforma em si.

Quer dizer, se você lê uma revista no tablet, o mínimo que se espera é uma galeria de fotos, alguns vídeos, alguns links, talvez algum infográfico interativo. Mas falta um diferencial, e isso não é apenas na Alfa, mas em todas as revistas brasileiras para iPad que conheço. Por que não produzir então uma reportagem especial diferente para o tablet? Talvez uma pauta exclusiva para a versão digital, com uma capa extra que chame exclusivamente para essa reportagem? Sei lá, é só uma ideia.

O segundo ponto negativo é o preço. É claro que, considerando-se o público alvo, 10 reais para a versão impressa é um preço bastante justo. Mas 7 dólares pela versão para iPad? Esse é um hábito ainda bastante constante e irritante nas revistas brasileiras para tablet - colocar um preço maior do que o da versão impressa.

Estou estudando revistas em tablets e posso afirmar, com bastante tranquilidade, que mesmo com os gastos com servidor, desenvolvimento, manutenção do sistema e outros que surgem com o veículo em meio digital, não há maneira de uma revista para iPad demandar mais gasto do que uma impressa. É claro que o público ainda é bastante restrito, mas revistas que praticam preços desta natureza não podem queixar-se por terem poucos leitores na versão para tablets.

Jovem Foca